Yuk Hui e a pergunta pela cosmotécnica

Yuk Hui é um jovem pesquisador que oferece uma visão renovada da relação entre tecnologia e cultura, uma relação que ele resume mediante a noção de “cosmotécnica”. O que significa “cosmotécnica”? Em geral pensamos a tecnologia como um fenômeno universal. Nesse sentido fala-se de civilizações ou povos “mais avançados tecnicamente” que outros. Assim se explicou, por exemplo, a “superioridade” dos europeus ao conquistar o território americano, porém também em suas incursões político-militares na Ásia durante o século XIX e XX.

O filósofo Hui põe em xeque, precisamente, essa premissa universalista. O que aconteceria se não existisse somente uma tecnologia, mas sim muitas cosmotécnicas? Como se veria afetada nossa percepção da história? Talvez o paradigma ocidental, que afirma que o desenvolvimento tecnológico apresenta-se como uma progressão unidirecional acumulativa, seja somente um dos modos de se pensar a tecnologia. O objetivo do seguinte texto é apresentar brevemente as ideias mais importantes que Hui apresenta em seu livro “The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics” (‘A questão sobre a tecnologia na China: ensaio sobre a cosmotécnica’, em tradução livre, publicado por Urbanomic, 2016).

O artigo é de Fernando Wirtz, doutor em Filosofia pela Universidade de Tübingen (Alemanha) e membro do comitê diretor da Sociedade Internacional de Filosofia Intercultural, publicado por Código y Frontera, 16-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

1. O marco teórico de Yuk Hui

Yuk Hui estudou engenharia informática e filosofia na Universidade de Hong Kong e no Goldsmiths College de Londres, especializando-se em filosofia da tecnologia. Foi pesquisador associado no Instituto de Pesquisa e Inovação do Centro Pompidou, em Paris, e pesquisador visitante nos Laboratórios de Telekom, em Berlim. Lecionou no Instituto de Cultura e Estética dos Meios Digitais, da Universidade Leuphana, de Lüneburg, onde também escreveu sua tese de habilitação em filosofia. Também tem uma relação próxima com o Instituto Strelka de Moscou, onde trabalhou junto a urbanistas críticos, como Benjamin Bratton, em um programa multidisciplinar que busca repensar a relação entre as cidades e a ciência. Atualmente vive e trabalha em Hong Kong.

Além de seus artigos, alguns dos quais se publicam regularmente em revistas como E-flux, Hui conta com três livros importantes (sem publicação no Brasil): “On the Existence of Digital Objects” (‘Sobre a existência de objetos digitais’, 2016), “The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics” (‘A questão sobre a tecnologia na China: ensaio sobre a cosmotécnica’, 2016) e “Recursivity and Contingency” (‘Recursividade e Contingência’, 2019). Seus escritos foram traduzidos para uma dúzia de idiomas.

A formação internacional de Hui é visível também nos autores que o influenciaram: por um lado, o pós-estruturalismo francês e a filosofia técnica de Simondon e Stiegler; por outro lado, o idealismo alemão e Heidegger. A estes autores clássicos, que não deixam de reaparecer em seus escritos, é preciso somar correntes de pensamento mais recentes que tentam pensar problemáticas globais atuais. Aqui é preciso nomear, para os fins deste artigo, especialmente os autores do chamado “giro ontológico” no âmbito da antropologia, com autores como Descola, Latour e Viveiros de Castro.

As reflexões destes autores não são tanto uma ruptura total do paradigma investigativo, mas sim uma intensificação de uma atitude crítica já presente na antropologia, acostumada a ser enfrentada com hermenêuticas da realidade diferentes ou estranhas. Assim, pode se dizer que “dar o giro ontológico é fazer perguntas ontológicas sem tomar a ontologia como resposta” (Holbraad e Pedersen, 2017, 11). Se é possível definir ontologia esquematicamente como as reflexões sobre o ser e o que é, a ideia detrás deste giro epistemológico consiste não somente no fato evidente de que os valores variam de cultura a cultura, mas dão conta de que o repertório conceitual da antropologia se encontra atravessado pela pergunta pelo ser das coisas.

Dito de outro modo, interpretar o que pensa (neste caso) um povo sobre determinada “coisa” implica uma categoria prévia de “coisa” já dada. Assim, é preciso se mover um passo para trás para perguntar o que são as coisas. Viveiros de Castro, por exemplo, postula, em vez de um multiculturalismo, um multinaturalismo. O primeiro implica a ideia de que a natureza é uma e o que variam são as perspectivas culturais das pessoas. É possível, no entanto, inverter a pergunta: podem existir muitas naturezas?

Descola, outro dos autores relevantes desta corrente, fala de diversas ontologias (naturalismo, totemismo, animismo, analogismo), cada uma das quais aborda continuidades e descontinuidades diferentes entre o mundo físico e a interioridade. Deste modo, por exemplo, o naturalismo das sociedades europeias modernas marca desde o começo uma forte descontinuidade entre estes dois campos, um abismo que leva paralelamente a uma distinção hierárquica entre natureza e cultura.

Esta descontinuidade ontológica entre a natureza e a cultura implica mais que uma mera gradação, é uma divisão que promove uma determinada hierarquia. Assim, distingue-se entre sociedades “civilizadas” e sociedades “primitivas”, estando estas últimas, aos olhos da etnologia, ligadas intimamente com a natureza. São Naturvölker (povos naturais), com eram chamadas no século XIX. Para Hui, interessa superar esta crítica à relação com a tecnologia. Conforme se entenda o papel das coisas, dos objetos, obteremos um conceito distinto de tecnologia. Por este motivo, não é de surpreender que Hui se encontre próximo ao pensamento da chamada Object-Oriented-Ontology (termo alcunhado pelo filósofo Graham Harman), isso é, filosofia orientada a objetos que busca libertar os objetos de sua determinabilidade por meio da subjetividade.

Frente à primazia dos sujeitos, diferentes autores e autoras tentaram pensar um mundo mais além do antropocentrismo, onde a distinção hierárquica entre sujeitos e objetos se vê difusa. Assim, as fenomenologias alien (Bogost), os hiper-objetos (Morton) e flat ontologies (DeLanda) abundam por estas regiões filosóficas. Seguindo esta linha, Hui apresenta o seguinte raciocínio: se é possível pensar um pluralismo ontológico, e a tecnologia se define em parte em relação à natureza, então deve ser possível pensar igualmente um pluralismo tecnológico.

2. O conceito de “cosmotécnica” e a filosofia chinesa

Depois deste breve esboço que pretende ilustrar o interesse de Hui em uma mudança de perspectiva, o objetivo desta seção é apresentar sua obra “The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics”. Como se desprende do seu título, o livro parece se posicionar como uma resposta ao texto de HeideggerA questão da técnica” (1949/1954) (em alemão, a palavra technik não tem as características de “técnica”, que remete mais a uma habilidade prática particular, mas sim se refere a um conceito geral mais abstrato que poderíamos chamar “tecnologia”.

Neste artigo usarei os conceitos de “técnica” e “tecnologia” como sinônimos. Nisso, o pensador alemão caracteriza a tecnologia moderna como aquela que transforma a natureza em uma reserva de matérias-primas, em um estoque disponível para ser explorado (HUI, 2016, p. 3). Pois então, o problema da tecnologia moderna não concerne à Europa ou ao Ocidente, mas Hui está interessado em perguntar em que medida é possível transplantar esta pergunta em solo oriental. Esta pergunta também implica o ponto de vista crítico segundo o qual se questiona o próprio conceito de tecnologia. Portanto, da mesma maneira que o giro ontológico em antropologia perguntava se eram possíveis múltiplas naturezas, Hui propõe pensar em uma multiplicidade de tecnologias.

Existe um equívoco geral de que todas as técnicas são iguais, de que todas as habilidades e produtos artificiais de todas as culturas podem ser reduzidos a uma coisa chamada “tecnologia”. E, de fato, é quase impossível negar que as técnicas podem ser entendidas como extensão do corpo ou externalização da memória. No entanto, eles podem não ser percebidos ou refletidos da mesma forma em diferentes culturas. (HUI, 2016, p. 9)

Hui encontra a possibilidade de romper com o conceito monolítico de tecnologia na relação das culturas com sua cosmogonia. Como diferentes pessoas pensam sobre tecnologia? O mito grego, segundo o qual Prometeu arranca o fogo (ou seja, a tecnologia) dos deuses, descreve a invenção da tecnologia como um conflito violento entre os seres humanos e os poderes da natureza governados por deuses e deusas imortais. A rebelião de Prometeu deu ao ser humano uma enorme vantagem sobre as demais espécies que habitavam a terra, a inteligência discursiva. No entanto, isso também implicava uma separação radical entre a humanidade e a ordem divino-natural. Em uma entrevista com Anders Dunker (disponível neste link), Hui explica:

Para os gregos, ‘cosmos’ significa um mundo organizado. Ao mesmo tempo, o conceito aponta para o que está além da terra. A moralidade é antes de tudo algo que diz respeito ao reino humano. Cosmotécnica, a meu ver, é a unificação da ordem moral e da ordem cósmica por meio de atividades técnicas. Se compararmos a Grécia e a China nos tempos antigos, descobriremos que elas têm uma compreensão muito diferente do cosmos e também concepções muito diferentes de moralidade“.

Fazer referência a este mito é importante porque o próprio Hui pensa a mitologia como uma manifestação do pensamento cosmogônico. Dentro da mitologia chinesa, o paradigma parece ser completamente outro. Lá, o deus relacionado com as invenções da agricultura e outras tecnologias é Shennong (神農). É interessante notar aqui, que, ainda que Hui não se refira aqui a este ponto, havia uma antiga escola filosófica chamada Nongjia 農家 (a escola de cultivadores ou agricultores) para a qual Shennong deu um papel central. Como seu nome indica, Shennong era o “agricultor divino”, o inventor do arado, da cerâmica, da metalurgia e do tecido. A diferença do relato prometeico, aqui é o próprio Shennong, quem ensina sua arte aos povos. Não parece haver, pois, um conflito entre o divino e o humano.

No taoísmo e no confucionismo, as duas principais correntes filosóficas chinesas da antiguidade, dao (道), a ordem cósmica, e ziran (自然, que costumeiramente é traduzida com natureza, mas que implica um sentido sutilmente diferente, parafraseado as vezes como “algo que flui por si mesmo” ou it-self-so-ing, em inglês), são duas noções conceitualmente muito próximas (HUI, 2016, p.64). A prerrogativa destes dois conceitos no pensamento chinês faz com que Hui argumente que, portanto, é provável que se encontre ali um conceito de utensílio ou ferramenta (器, qi) que complemente esta harmonia entre o dao e a natureza. De fato, esta será precisamente uma das principais teses de seu livro: “que podemos entender sistematicamente a filosofia chinesa por meio da análise das dinâmicas entre qi e dao” (HUI, 2016, p.129).

No pensamento grego, a tecnologia enquanto poiesis é algo que produz transformando a natureza. Enquanto que para Hui o conceito grego de natureza (physis) encontra-se ancorado em sua produtividade (pensada como crescimento e desenvolvimento), “esta ideia de que a tecnologia poderia complementar e aperfeiçoar a natureza não poderia ocorrer no pensamento chinês, já que para esta a tecnologia está sempre subordinada à ordem cosmológica” (HUI, 2016, p. 70). Hui busca um indício mais profundo desta intuição no conceito de 器, que geralmente se traduz como “ferramenta” ou “utensílio”, ainda que se refira originariamente aos recipientes rituais de bronze que se usavam durante a dinastia Shang (séculos XVII-XI a.C.).

Portanto, as ferramentas não são pensadas como algo desapegado, completamente autônomo, mas sim como recipientes, como containers. É assim que qi necessita do dao, e vice-versa. “Qi”, as vezes também se traduz como “coisas materiais”, “o que está debaixo da forma”. Os utensílios, entendidos como recipientes, requerem então, quase por definição, algo “mais além da forma” que funcione como seu conteúdo.

Uma melhor aproximação ao conceito de cosmotécnica de Hui é seu próprio exemplo favorito, o caso do açougueiro Pao Ding ou simplesmente o cozinheiro Ding, tal como sua história se conta no texto de Zhuangzi. Este açougueiro é famoso por sua habilidade excepcional para cortar e desmembrar o boi sem tocar seus ossos e tendões. Quando se pergunta a ele sobre a sua técnica, Ding diz: “O que amo é o dao, que é muito mais esplêndido que a técnica (臣 之 所好 者 道 也, 進 乎 技 矣, apud HUI, 2016, p. 102). A palavra para “técnica” ou “habilidade” está aqui dada por 技, que aparece também em chinês moderno em ambas palavras usadas para “técnica” como jishu (技 術) e keji (科 技). Em outras palavras, o segredo da habilidade de Ding não é precisamente sua relação mecânica com as ferramentas, mas sim que as ferramentas funcionam aqui de acordo com o dao, que flui intuitivamente através da mão do açougueiro. A razão instrumental, que poderia se entender casualmente como a lógica que unifica os movimentos individuais com resultados individuais, parece fora de jogo.

3. O sinofuturismo

A cosmotécnica não é um conceito a-histórico, mas se transforma de acordo com o contexto social e político. A exposição de cosmotécnica chinesa de Hui é, na verdade, organizada como uma reconstrução histórica. Após sua apresentação das primeiras ideias confucionistas e taoístas, Hui expõe outros autores do período Tang (618-709), Song (960-1270) e Ming (1368-1644). A transformação mais importante é sentida em toda a dinastia Qing (1644-1912), onde se prevê a ruptura entre qi e dao que ocorrerá após as Guerras do Ópio (1839-1842, 1856-1860), ou seja, depois que a superioridade tecnológica do Ocidente era um fato inevitável para a consciência chinesa. Para superar o atraso, os intelectuais reformistas chineses sentiram a necessidade de reverter a primazia do dao sobre o qi, colocando o primeiro a serviço do segundo. Esse investimento permitiu, por um lado, que a China chegasse ao Ocidente e se posicionasse como potência tecnológica. O preço que teve de pagar é, entretanto, o da aceleração autodestrutiva que a industrialização implica.

O conceito de “sinofuturismo” (também utilizado pelo artista audiovisual Lawrence Lek) implica uma visão do futuro e da tecnologia propriamente chinesa, pensada com ferramentas chinesas. Para Hui, o atual aceleracionismo tecnológico do gigante asiático apenas dá continuidade à lógica capitalista ocidental que coloca em risco a estabilidade climática do planeta. Por esta razão, torna-se mais do que nunca necessário tentar reincorporar a esfera da moralidade cósmica (o dao) no domínio da tecnologia. Não se trata, porém, de um “voltar ao passado” tecnofóbico, mas sim de “reapropriar” a tecnologia moderna de uma nova forma (Hui 2016,309).

Embora Hui não dê muitas dicas de como deveria ser esta nova cosmotécnica, sua proposta é sugestiva. Claro, não se trata apenas de substituir a “cosmotécnica capitalista” por uma “cosmotécnica chinesa”. Cada cultura, diz Hui, deve fazer um esforço para reconciliar a tecnologia com suas próprias práticas e culturas locais, de modo que a razão instrumental seja reorientada para as necessidades da comunidade. Assim, Hui dá um primeiro passo na direção de descentralizar o conceito ocidental e capitalista de tecnologia. Ao propor a possibilidade de múltiplas formas de conceber a tecnologia, múltiplas possibilidades também se abrem para repensar o papel da moralidade no desenvolvimento civilizacional.

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Yuk Hui y la pregunta por la cosmotécnica

(Artículo publicado originalmente en Código y Frontera)

Yuk Hui es un joven investigador que ofrece una visión renovada de la relación entre tecnología y cultura, una relación que él resume mediante la noción de ‘cosmotécnica’. ¿Qué significa ‘cosmotécnica’? En general pensamos a la tecnología como un fenómeno universal. En ese sentido se habla de civilizaciones o pueblos ‘más avanzados técnicamente’ que otros. Así se explicó por ejemplo la ‘superioridad’ de los europeos al conquistar el territorio americano pero también en sus incursiones político-militares en Asia durante el siglo 19 y 20. El filósofo Hui pone en duda, precisamente, esa premisa universalista. ¿Qué pasaría si no existiera sólo una tecnología sino muchas cosmotécnicas? ¿Cómo se vería afectada nuestra percepción de la historia? Quizás el paradigma occidental según el cual el desarrollo tecnológico se presenta como una progresión unidireccional acumulativa sea sólo un modo de pensar la tecnología. El objetivo del siguiente texto es presentar brevemente las ideas más importantes que Hui presenta en su libro La pregunta concerniente a la tecnología en China: un ensayo sobre cosmotécnica del año 2016.

1. El marco teórico de Yuk Hui

Yuk Hui estudió ingeniería informática y filosofía en la Universidad de Hong Kong y el Goldsmiths College de Londres, especializándose en filosofía de la tecnología. Fue investigador asociado en el Instituto de Cultura y Estética de los Medios (ICAM), investigador postdoctoral en el Instituto de Investigación e Innovación del Centro Pompidou en París e investigador visitante en los Laboratorios de Telekom en Berlín. Enseñó en el Instituto de Cultura y Estética de Medios Digitales de la Universidad Leuphana de Lüneburg, donde también escribió su tesis de habilitación en filosofía. También tiene una relación estrecha con el Instituto Strelka de Moscú, donde trabajó junto a urbanistas críticos como Benjamin Bratton en un programa multidisciplinario que busca repensar la relación entre las ciudades y la ciencia. Actualmente vive y trabaja en Hong Kong.

Además de sus artículos, algunos de los cuales se publican regularmente en revistas como E-flux, Hui cuenta con tres libros importantes: Sobre la existencia de objetos digitales (2016), La pregunta concerniente a la tecnología en China: un ensayo sobre cosmotécnica (2016), y Recursividad y Contingencia (2019). Sus escritos, por otro lado han sido traducidos a una docena de idiomas.

La formación internacional de Hui se deja ver también en los autores que lo influyeron: por un lado, el post-estructuralismo francés y la filosofía técnica de Simondon y Stiegler; por otro lado, el idealismo alemán y Heidegger. A estos autores clásicos que no dejan de reaparecer en sus escritos hay que sumar corrientes de pensamiento más recientes que intentan pensar problemáticas globales actuales. Aquí es preciso nombrar, para los fines de este artículo, especialmente a los autores del llamado ‘giro ontológico’ en el ámbito de la antropología, con autores como Descola, Latour y Viveiros de Castro. Las reflexiones de estos autores no son tanto una ruptura total del paradigma investigativo, sino más bien la ‘intensificación’ de una actitud crítica ya presente en la antropología, acostumbrada a enfrentarse con hermenéuticas de la realidad diferentes o extrañas. Así, puede decirse que “dar el giro ontológico es hacer preguntas ontológicas sin tomar la ontología como respuesta” (Holbraad y Pedersen 2017, 11). Si es posible definir ‘ontología’ esquemáticamente como las reflexiones sobre el ser y lo que es, la idea detrás de este giro epistemológico consiste no sólo en el hecho evidente de que los valores varían de cultura a cultura, sino más bien en dar cuenta de que el repertorio conceptual de la antropología se encuentra ya atravesado por la pregunta por el ser de las cosas. Dicho de otro modo, interpretar qué piensa (en este caso) un pueblo sobre determinada ‘cosa’ implica una categoría previa de ‘cosa’ ya dada. Así, es preciso moverse un paso hacia atrás para preguntar qué son las cosas. Viveiros de Castro, por ejemplo, postula, en lugar de un ‘multiculturalismo’, un ‘multinaturalismo’. El primero implica la idea de que la naturaleza es una y lo que varían son las perspectivas culturales de las personas. Es posible, sin embargo, invertir la pregunta: ¿Puede haber muchas naturalezas? Descola, otro de los autores relevantes de esta corriente, habla de diversas ontologías (naturalismo, totemismo, animismo, analogismo), cada una de las cuales plantea continuidades y discontinuidades diferentes entre el mundo físico y la interioridad. De este modo por ejemplo, el naturalismo de las sociedades europeas modernas marca desde el comienzo una fuerte discontinuidad entre estos dos campos, una grieta que conlleva paralelamente una distinción jerárquica entre naturaleza y cultura.

Esta discontinuidad ontológica entre la naturaleza y la cultura implica más que una mera gradación, es una división que promueve una determinada jerarquía. Así, se distingue entre sociedades ‘civilizadas’ y sociedades ‘primitivas’, estando estas últimas, a los ojos de la etnología, ligadas íntimamente con a naturaleza. Son ‘Naturvölker’ (pueblos naturales), como se las llamaba en el siglo XIX. A Hui le interesa trasponer esta crítica a la relación con la tecnología. De acuerdo a cómo se entienda el papel de las cosas, de los objetos, obtendremos un concepto distinto de tecnología. Por este motivo no es de sorprender que Hui se encuentre cercano al pensamiento de la llamada ‘Object-Oriented-Ontology’ (término acuñado por el filósofo Graham Harman), es decir, filosofía orientada a objetos que busca liberar a los objetos de su determinabilidad por medio de la subjetividad. Frente a la primacía de los sujetos, diferentes autores y autoras han intentado pensar un mundo más allá del antropocentrismo, en donde la distinción jerárquica entre sujetos y objetos se ve difuminada. Así las fenomenologías ‘alien’ (Bogost), los hiperobjetos (Morton) y ‘flat ontologies’ (DeLanda) abundan por estas regiones filosóficas. Siguiendo esta línea, Hui presenta el siguiente razonamiento: si es posible pensar un pluralismo ontológico, y la tecnología se define en parte en relación a la naturaleza, entonces debe ser posible pensar igualmente un pluralismo tecnológico.

2. El concepto de ‘cosmotécnica’ y la filosofía china

Después de este breve esbozo que pretende ilustrar el interés de Hui en un cambio de perspectiva, el objetivo de esta sección es presentar su obra La pregunta concerniente a la tecnología en China. Como se desprende de su título, el libro parece posicionarse como una respuesta al texto de Heidegger La pregunta por la técnica(1949/1954) (en alemán, la palabra  ‘Technik’ no tiene las características de ‘técnica’, que en español recuerda más a una habilidad práctica particular, sino que se refiere a un concepto general más abstracto que podríamos llamar ‘tecnología’. En este artículo tomaré los conceptos de ‘técnica’ y ‘tecnología’ como sinónimos). Allí, el pensador alemán caracteriza la tecnología moderna como aquella que transforma a la naturaleza en una reserva de materias primas, en un ‘stock’disponible para ser explotado (Hui 2016, 3). Ahora bien, el problema de la tecnología moderna no solo concierne a Europa u Occidente, sino que Hui está interesado en preguntar en qué medida es posible trasplantar esta pregunta en suelo oriental. Esta pregunta también implica el punto de vista crítico según el cual se cuestiona el concepto mismo de tecnología. Por lo tanto, de la misma manera que el giro ontológico en antropología preguntaba si eran posibles múltiples naturalezas, Hui propone pensar en una multiplicidad de tecnologías.

Hay un concepto general erróneo de que todas las técnicas son iguales, que todas las habilidades y productos artificiales procedentes de todas las culturas se pueden reducir a una cosa llamada ‘tecnología’. Y, de hecho, es casi imposible negar que las técnicas pueden entenderse como la extensión del cuerpo o la exteriorización de la memoria. Sin embargo, es posible que no se perciban o reflexionen de la misma manera en diferentes culturas. (Hui 2016, 9)

Hui encuentra la posibilidad de romper con el concepto monolítico de tecnología en la relación de las culturas con su cosmogonía. ¿Cómo piensan la tecnología los diversos pueblos? El mito griego, según el cual Prometeo arrebata el fuego (es decir, la tecnología) de los dioses, representa la invención de la tecnología como un conflicto violento entre los seres humanos y los poderes de la naturaleza gobernados por dioses y diosas inmortales. La rebelión de Prometeo le dio al ser humano una enorme ventaja sobre las otras especies que habitaban la tierra, la inteligencia discursiva. Sin embargo, ésto también implicó una separación radical entre la humanidad y el orden divino-natural. En una entrevista con Anders Dunker, Hui explica:

Para los griegos, “cosmos” significa un mundo ordenado. Al mismo tiempo, el concepto apunta a lo que hay más allá de la tierra. La moral es, ante todo, algo que concierne al reino humano. La cosmotécnica, según entiendo, es la unificación del orden moral y el orden cósmico a través de actividades técnicas. Si comparamos Grecia y China en la antigüedad, descubrimos que tienen una comprensión muy diferente del cosmos, y también concepciones muy diferentes de la moralidad. (https://lareviewofbooks.org/article/on-technodiversity-a-conversation-with-yuk-hui/)

Hacer referencia a este mito es importante porque el propio Hui piensa a la mitología como una manifestación del pensamiento cosmogónico. Dentro de la mitología china, el paradigma parece ser completamente otro. Allí, el dios relacionado con las invenciones de la agricultura y otras tecnologías es Shennong ( 神農). Es interesante notar aquí, que, aunque Hui no se refiere aquí a este punto, había una antigua escuela filosófica llamada Nongjia 農家(la escuela de ‘cultivadores’ o ‘agricultores’) para la cual Shennong jugó un papel central. Como su nombre lo indica, Shennong era el “granjero divino”, el inventor del arado, la cerámica, la metalurgia y el tejido. A diferencia del relato prometeico, aquí es el propio Shennong, quien enseña su arte a los pueblos. No parece haber, pues, un conflicto entre lo divino y lo humano.

En el taoismo y el confucianismo, las dos principales corrientes filosóficas chinas de la antigüedad, dao (道), el orden cósmico, y ziran ( 自然, que se suele traducir como ‘naturaleza’ pero que implica un sentido sutilmente diferente parafraseado a veces como ‘algo que fluye por sí mismo’ o ‘it-self-so-ing’ en inglés (ver Wang 2003, 227)), son dos nociones conceptualmente muy cercanas (Hui 2016, 64 ). La prerrogativa de estos dos conceptos en el pensamiento chino hace que Hui argumente que, por lo tanto, es probable que se encuentre allí un concepto de ‘utensilio’ o ‘herramienta’ (器, qi) que complemente esta armonía entre el dao y la naturaleza. De hecho, ésta será precisamente una de las principales tesis de su libro: “que podemos entender sistemáticamente la filosofía china por medio del análisis de las dinámicas entre qi y dao” (Hui 2016, 129).

En el pensamiento griego, la tecnología en tanto ‘poiesis’ es algo que produce transformando la naturaleza. Mientras que para Hui el concepto griego de naturaleza (physis) se encuentra anclado en su ‘productividad’ (pensada como crecimiento y desarrollo), “esta idea de que la tecnología podría complementar y ‘perfeccionar’ a la naturaleza no podría ocurrir en el pensamiento chino, ya que para ésta la tecnología está siempre subordinada al orden cosmológico” (Hui 2016, 70). Hui busca un indicio más profundo de esta intuición en el concepto de ‘器’, que generalmente se traduce como ‘herramienta’ o ‘utensilio’, aunque refiere originariamente a los recipientes rituales de bronce que se usaban durante la dinastía Shang (siglos XVII-XI a. C.). Por lo tanto, las herramientas no son pensadas como algo desapegado, completamente autónomo, sino como recipientes, como contenedores. Es así que qi necesita del dao, y viceversa. ‘Qi’ a veces también se traduce como ‘cosas materiales’, ‘lo que está debajo de la forma’. Los utensilios, entendidos como recipientes, requieren entonces, casi por definición, algo ‘más allá de la forma’ que funcione como su contenido.

Una mejor aproximación al concepto de cosmotécnica de Hui es su propio ejemplo favorito, el caso del carnicero Pao Ding o simplemente el cocinero Ding, tal como su historia se cuenta en el texto de Zhuangzi. Este carnicero es famoso por su habilidad excepcional para cortar y desmembrar al buey sin tocar sus huesos y tendones. Cuando se le pregunta a éste acerca de su técnica, Ding dice: “Lo que amo es el dao, que es mucho más espléndido que mi técnica  [ 臣 之 所好 者 道 也, 進 乎 技 矣]” (citado en Hui 2016, 102 ). La palabra para ‘técnica’ o habilidad’ está aquí dada por 技, que aparece también en chino moderno en ambas palabras usadas para ‘técnica’ como jishu (技 術) y keji (科 技). En otras palabras, el secreto de la habilidad de Ding no es precisamente su relación mecánica con las herramientas, sino que las herramientas funcionan aquí de acuerdo con el dao, que fluye intuitivamente a través de la mano del carnicero. La razón instrumental, que podría entenderse causalmente como la lógica que unifica los movimientos individuales con resultados individuales, parece fuera de juego.

3. El sinofuturismo

La cosmotécnica no es un concepto ahistórico, sino que éste se transforma según el contexto social y político. La exposición de Hui de la cosmotécnica china de hecho está organizada como una reconstrucción histórica. Después de su presentación de las primeras ideas confucianas y taoistas, Hui expone a otros autores del período Tang (618-709), Song (960-1270) y Ming (1368-1644). La transformación más importante se siente a lo largo de la dinastía Qing (1644-1912), donde se anticipa la ruptura entre el qi y el dao que acontecerá después de las Guerras del Opio (1839-1842, 1856-1860), es decir, después de que la superioridad tecnológica de Occidente fuera un hecho inevitable para la conciencia china. Para superar el atraso, los intelectuales reformistas chinos sintieron la necesidad de invertir la primacía del dao sobre el qi, poniendo al primero al servicio de este último. Esta inversión permitió, por un lado, que China alcanzara a Occidente y se posicionara como una potencia tecnológica. El precio que debió pagar es, sin embargo, es de la aceleración autodestructiva que implica la industrialización.

El concepto de ‘sinofuturismo’ (que también fue utilizado por el artista audiovisual Lawrence Lek, ver https://vimeo.com/179509486) implica una visión del futuro y la tecnología propiamente china, pensada con herramientas chinas. Para Hui, el aceleracionismo tecnológico actual del gigante asiático no hace sino continuar la lógica capitalista occidental que pone en riesgo la estabilidad climática del planeta. Por ello se vuelve necesario más que nunca intentar reincorporar la esfera de la moralidad cósmica (el dao) en el reino de la tecnología. No se trata, sin embargo, de un ‘volver al pasado’ tecnofóbico, sino por el contrario de ‘reapropiarse’ de la tecnología moderna de un modo nuevo (Hui 2016,309). A pesar de que Hui no da demasiados indicios de cómo debería lucir esta nueva cosmotécnica, su propuesta es sugerente. Por supuesto, no se trata sólo de reemplazar la ‘cosmotécnica capitalista’ por una ‘cosmotécnica china’. Cada cultura, dice Hui, debe hacer un esfuerzo por reconciliar la tecnología con sus propias prácticas y culturas locales, de modo que la razón instrumental vuelva a orientarse a las necesidades comunitarias. Así, Hui da un primer paso en dirección a ‘descentralizar’ el concepto occidental y capitalista de tecnología. Al proponer la posibilidad de múltiples formas de concebir la tecnología, se abren también múltiples posibilidades de repensar el papel de la moralidad en el desarrollo civilizatorio.

Bibliografía

Holbraad, M. y Pedersen, M. A., The Ontological Turn. An Anthropological Exposition, Cambridge, Cambridge University Press, 2017.

Hui, Y., The Question Concerning Technology in China. An Essay in Cosmothechnics, Padstow, Urbanomic, 2016.

Wang, Q., «It-self-so-ing and Other-ing in Lao Zi’s Concept of Ziran», en Mou, B. (ed.) Comparative Approaches to Chinese Philosophy, Burlington, Ashgate, 2003, pp. 225-244.

Fotografía: Hudson Hayden

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Mirar la maternidad a través de las fotografías de la serie New Mothers de Rineke Dijkstra

GOSPEL FOR THE LIVING ONES

We began building mom's  home the day the bombings  began. First it was the smoke.  Later it arrived the fire...
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Una interacción entre -mostrar y no mostrar

en la fotografía en color Highly carcinogenic blue asbestos waste on the Owendale Asbestos Mine tailings dump, near Postmasburg, Northern...
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Una interacción entre -mostrar y no mostrar

Rineke Dijkstra. The encounter between the photographer, the sitters and the viewer in the Beach Portrait Series.

The role of photography in the construction of identity. An encounter between observing and being observed; detailed colored large-scaled depictions...
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Rineke Dijkstra. The encounter between the photographer, the sitters and the viewer in the Beach Portrait Series.

Machine Gun Confusion

The shapes are that of two people. They do each have a soul, But it’s hard for them to remember...
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Brand New Heaven

I tried to accept everything, so that I could come to Heaven. But when I got there, Heaven was closed...
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Brand New Heaven

Maniobras: las políticas internacionales que militarizan las vidas de las mujeres

Maneuvers: The International Politics of Militarizing Women's Lives Cynthia Enloe University of California Press, 2000, 437 pages.  ISBN: 9780520220713 Traducción...
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Maniobras: las políticas internacionales que militarizan las vidas de las mujeres

I Can Only Wonder

If we are always foreigners when one  of us walks across the Pont de Sully [what is then foreigner?]  I...
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I Can Only Wonder

Before Lockdown

Cuando cruzar un puente al aire libre era parte de la normalidad (autoetnografía) "Y el tiempo dirá si al final...
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Before Lockdown

Reseña poetizada de “Le Pont du Nord”, Jacques Rivette

Una claustrofóbica en prisión y una gemela con un hermano igual,             de otro país. Una llamada por cobrar ya pagada. ...
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Reseña poetizada de “Le Pont du Nord”, Jacques Rivette